sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Políticas públicas e educação: a experiência da música de concerto I


Introdução

O presente projeto propõe-se a discutir a finalidade de políticas públicas na área de educação, buscando analisar seu impacto na realidade social de seus participantes, tomando como referência empírica o Projeto Guri, voltado para crianças e adolescentes, como parte da política cultural do Estado de São Paulo. Sendo assim, os temas a serem tratados, aqui, são a música como instrumento educativo e as políticas públicas como ferramenta de intervenção na ordem social.
Por entender que esse projeto configura uma reflexão sobre uma política pública, com objetivos e limites, é necessário considerar os resultados especialmente naquilo que permanece após o término da experiência do individuo, para então saber se houve uma mudança significativa no pensamento, nas práticas e na realidade social de quem participou do programa. Essa é a questão que norteia este projeto.

Objetivos

O objetivo geral dessa pesquisa foi compreender o impacto das políticas públicas para a educação, tomando como referência o ensino da música erudita a jovens e buscando interpretar a especificidade da música como mediação entre o individuo e seu mundo social.
Entre os objetivos específicos estão:
A. Abordar, na perspectiva das ciências sociais, a música como fenômeno social e seu potencial transformador da realidade.
B. Inserir a pesquisadora na metodologia antropológica de pesquisa, a etnografia, por meio do trabalho de campo e da análise qualitativa dos dados.
C. Obter material e resultados que sirvam de base para futuro Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
Os objetivos que me propus pesquisar visam esclarecer quais são os significados mobilizados pelos agentes em relação a música e o fazer musical e, como os significados já postos influenciam essa ação.

Metodologia

A metodologia utilizada é a etnografia, que caracteriza a prática de pesquisa antropológica. O Projeto Guri está foi analisado por meio de três caminhos principais:
1. Pesquisa bibliográfica quanto a metodologia de pesquisa em campo e quanto ao campo teórico em que a pesquisa está inserida, ou seja, educação, política pública, música e cultura. 
É importante ressaltar que fui aluna do Projeto Guri de 2004 a 2006 e por isso a pesquisa bibliográfica se mostrou tão importante para evitar possíveis direcionamentos ideológicos. Ainda sobre o universo teórico no qual se insere esta pesquisa assisti a duas palestras. A primeira palestra aconteceu no dia 10. 11. 2010 e foi ministrada pelo professor José Miguel Wisnik, figura central no meu projeto. A segunda palestra realizada no dia 17. 11. 2010 foi ministrada por Roberto Kurz sob o tema da dialética do esclarecimento em Adorno e Horkheimer. Essas palestras foram fundamentais para compreender parte do debate da sociologia em torno da Indústria cultural. 
2. Pesquisa de campo foi realizada através da observação participante e pesquisa documental. 
3. Também foram ministradas entrevistas com participantes do projeto – alunos atuais, os pais desses alunos, ex- alunos, professores e coordenadores que trabalham no Projeto.
Foram realizadas visitas a dois pólos do Projeto Guri: Pólo Amácio Mazzaropi, no Brás e Júlio Prestes no bairro do Bom Retiro. Foram três meses de visitas intercalando dias e horários entre um pólo e outro. Durante as visitas observei a interação dos atores - crianças de diversas idades - durante a aula, durante o intervalo de aula e nas apresentações. As entrevistas foram realizadas durante dois meses, posteriormente, aos três meses de visitas. Todas as entrevistas foram realizadas dentro das dependências dos pólos e foram gravadas.
Em relação aos ex-alunos – colegas conhecidos da minha época como estudante do Guri – as entrevistas não puderam ser realizadas pessoalmente por divergência de horários ou distância física, com isso, os questionários foram enviados e respondidos por correspondência eletrônica.
Tive acesso ao plano político - pedagógico, ao relatório de atividades de 2009 e também às publicações da revista eletrônica Espaço Intermediário do próprio Projeto Guri, aonde os próprios representantes do Projeto refletem sobre a particularidade da música como meio educador e também aonde teóricos musicais como Keith Swanwick concedem entrevistas e palestras sobre a especificidade da pedagogia musical e suas implicações na vida daquele que a pratica.

Resultados

Inicialmente foi notado um embate entre música erudita e música popular dado que o Guri é conhecido por suas apresentações em orquestra, porém, observando o repertório escolhido e analisando mais a fundo a questão a distância entre essas duas estéticas se estreitou exatamente porque a música funciona como mediadora entre o indivíduo e seu mundo social.
Há um cenário de indefinição da fronteira entre o popular e o erudito. É essa indefinição que afasta, mas que também aproxima, que possibilita a mistura musical. Essa porosidade musical característica do Brasil é fundamental para compreender que para além da oposição o que podemos ver aqui em certo limite é um cenário de complementaridade. Isso é visível, e audível, no repertório executado durantes as aulas e as apresentações. Enquanto a orquestra, com seus instrumentos eruditos, toca músicas populares como “Eu sei que vou te amar” de Tom Jobim e “A paz” de Gilberto Gil, o grupo de violões toca parte da 9ª Sinfonia de Beethoven.
No caso do Projeto Guri a estética não deixou de ser levada em conta. Por mais que música popular esteja em seu repertório – e alguns alunos gostariam até que houvesse mais espaço para o erudito – não é qualquer música popular que está presente.
É a música popular valorizada entre técnicos, acadêmicos e estudiosos da música brasileira. Não que isso configure um caráter definitivo de “qualidade”, mas delimita o público e a técnica musical mais valorizada. A prática musical, o contato com instrumentos e com esse tipo específico de conhecimento, é em si algo que possui um status diferenciado independente da estética. O que vi entre os alunos foi a satisfação de se dizer músico, de dominar, mesmo que pouco, aquela linguagem específica.
Para alguns pais e alunos essa “superioridade” se concretizaria materialmente caso o estudante consiga fazer parte de uma orquestra reconhecida, aonde estaria implícito também o domínio de uma técnica específica que possui legitimação dentro de toda a tradição musical ocidental.
Dos ex-alunos com os quais troquei informações, e experiências no Guri, a possibilidade de efetivação de uma carreira musical com os instrumentos de orquestra foi frustrada por questões financeiras referentes a compra dos instrumentos e continuidade das aulas de música após a saída do Projeto. No entanto, a maioria desses alunos seguiu com a prática musical mesmo que adotando outros instrumentos mais acessíveis como guitarra, baixo elétrico e violão. Os alunos que não continuaram tocando também não perderam seu interesse mais profundo por música quanto a forma de produção e o meio no qual essa música circula ou pela possibilidade de tocar novamente, mesmo que por lazer.

Conclusões

Mesmo possuindo regras e formas específicas, possuindo jargão técnico assim como outras áreas do conhecimento, há a possibilidade de um conhecimento musical que escapa às técnicas e constitui o sujeito mesmo que este não esteja a par dessa linguagem formal, sendo assim, a música se faz sentir sem necessariamente ser compreendida. A música caminha entre o prazer e o saber, ou seja, a música pode ser a passagem “de um mundo social ‘encantado’ para o mundo social ‘desencantado’” (WEBER, 1995, p. 12).
Sendo assim, chegamos a uma questão: Em um quadro mais amplo dessas práticas pedagógicas, qual a especificidade da fusão entre educação e uma política pública que está fora do currículo escolar oficial?
Por fim, gostaria de citar um trecho do livro de Rose Satiko, autora base para meus estudos: Ao que diria Claude Lévi-Strauss: a música é “uma via intermediária entre o exercício do pensamento lógico e a percepção estética” (HIKIJI, 2006, p. 56).Ou seja, é dessa dualidade entre racional e, em certa medida, “mágico” que advém a dificuldade de se pesquisar com música e com as artes em geral, não impedindo, porém que os efeitos e suas transformações sejam analisadas.



Texto resumo para apresentação no Congresso PIBIC de 14. 06. 2011.
Projeto: Políticas públicas e educação: a experiência da música de concerto
Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP
Área: Ciências Sociais - Sociologia
Prof. Orientadora: Cynthia Andersen Sarti