sábado, 16 de outubro de 2010

Nietszche ou a eternidade do tempo III - Conclusão

Para concluir, o eterno retorno seria a resposta mais radical que se poderia opor à teleologia cristã e metafísica baseadas na temporalidade linear. No cosmo do eterno retorno não cabem nem criação nem escatologia, de maneira que se abandona por completo qualquer esperança numa redenção. No Zaratustra, o anúncio do além-do-homem vai de mãos dadas com a pregação do eterno retorno porque, para aceitar a imanência total do mundo através ,morte de Deus, o homem tem de elevar-se acima de si mesmo, isto é, tem de "declinar" (Untergang) a fim de que nasça o além-do-homem, visto que só um ser "para além do homem" (Übermensch) será capaz de afirmar a vida que retorna eternamente (p. 14 e 15).
Nietzshe quer abertamente ser um pós-cristão, e, para tanto, não encontra melhor caminho que o de remontar para trás, até a concepção pagã, grega e pré-individualista do tempo. Frente à religião cristã, o filósofo propõe, através da morte de Deus, uma volta ao paganismo antigo cujos deuses agora retornariam para nos salvar da moral niilista e de suas conseqüências. Desse modo, contra a religião enquanto consolo, ópio, desejo de morte, neurose, martírio, crucificação, obsessão pela dor, abre-se espaço à religião enquanto serenidade e afirmação da vida em sua totalidade simbolizada na figura do deus Dioniso. Não mais se identificaria a religião com a Igreja enquanto instituição de poder, mas sim, como espiritualidade e vida interior que sente o vínculo entre indivíduo e terra, e o impele a identificar-se com a totalidade do todo que existe, afirmando a vida e compreendendo-se como parte dela (p. 16).



Fragmentos do texto "Nietszche ou a eternidade do tempo" de Diego Sánches Meca, professor da Univ. de Madrid (UNED), disponibilizado para os participantes da palestra ministrada na UNIFESP dia 17.09.2010. Tradução por Vinicius de Andrade.


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Nietszche ou a eternidade do tempo II

 Pois bem, se essa maneira de viver o tempo representa um verdadeiro apossar-se da nossa temporalidade no contexto do pós-niilismo, o que ocorre não é senão a substituição da metafísica cristã do tempo linear por uma experiência pagã do tempo como eterno retorno, na medida em que o essencial dessa nova forma de viver a temporalidade seria o retorno repetido da decisão de reunir as dererminações temporais de passado, presente e futuro numa forma ou significado unificador com cuja evolução se desdobra a incessante conquista do uno mesmo. Viver o tempo como eterno retorno significa que as três dimensões do tempo se dão simultaneamente em casa instante da temporalidade vivida, o que torna o instante igual à eternidade. A cada instante reelaborar o presente e o passado e construir o futuro quer dizer que, ao mesmo tempo, condensamos no presente enquanto eterno retorno passado e futuro. Como pode agora compreender facilmente, o eterno retorno não é outra coisa senão amor fati (amor ao destino) e vontade de potência afirmativa com a qual damos um sentido à nossa existência (p. 11 e 12).
Desse modo, delineia-se também o critério básico para uma nova moral na qual liberdade e necessidade não estariam em conflito. Pois, por vir de um passado eterno, cada um de nossos atos estaria submetido à necessidade, mas, por sua vez, seria livre enquanto decisivo para uma cadeia infinita de repetições futuras. Seria preciso, então, viver cada momento de modo que se quisesse segui-lo vivendo infinitas vezes. A implicação mais importante da doutrina do eterno retorno, pois é essa nova compreensão que representa o vínculo necessário entre o indivíduo e a totalidade da vida, ou seja, entre tempo subjetivo e tempo objetivo (p. 15).
Ao se afirmar o eterno retorno do mesmo e se dizer sim à vida enquanto presente eterno, desfaz-se num só golpe a divisão entre mundo aparente e verdadeiro, e, portanto, a distinção entre ser e dever-ser, pois se destrói toda a possibilidade de imaginar uma teleologia enquanto sentido de um plano metafísico que se desdobra através do tempo. E tudo isso torna extrema a desvalorização dos valores do indivíduo moral e lhe anula a esperança de salvação num além transcendente (p. 14).
Por isso, uma vez perdida a fé no Deus cristão, esse homem se afunda na dispersão de uma vida fragmentada em dimensões e momentos atomizados, desconexos e sem sentido, na medida em que passado, presente e futuro já não estruturam nenhum processo, já não estão encadeados por nenhum sentido unitário, tal como o da história da salvação, nem por nenhuma finalidade. (...) A todos esse niilistas passivos, que caíram na grande depressão por conta da morte de Deus ao constatar o absurdo extremo e sem sentido da existência, o que pensamento do eterno retorno lhes causa é o efeito de aumentar ainda mais a sua depressão e confusão. De modo que se para alguns o eterno retorno e sua afirmação podem fazer com que adquiram um novo cetro de gravidade para apossar-se de um projeto de vida mais alegre, para outros, o eterno retorno representa o contrário, a saber, o levar ao extremo sua conflitividade interna na medida em que o niilismo é conduzido à sua consumação (p.13).


Fragmentos do texto "Nietszche ou a eternidade do tempo" de Diego Sánches Meca, professor da Univ. de Madrid (UNED), disponibilizado para os participantes da palestra ministrada na UNIFESP dia 17.09.2010. Tradução por Vinicius de Andrade.