Pois bem, se essa maneira de viver o
tempo representa um verdadeiro apossar-se da nossa temporalidade no contexto do
pós-niilismo, o que ocorre não é senão a substituição da metafísica cristã do
tempo linear por uma experiência pagã do tempo como eterno retorno, na medida
em que o essencial dessa nova forma de viver a temporalidade seria o retorno
repetido da decisão de reunir as dererminações temporais de passado, presente e
futuro numa forma ou significado unificador com cuja evolução se desdobra a
incessante conquista do uno mesmo. Viver o tempo como eterno retorno significa
que as três dimensões do tempo se dão simultaneamente em casa instante da
temporalidade vivida, o que torna o instante igual à eternidade. A cada
instante reelaborar o presente e o passado e construir o futuro quer dizer que,
ao mesmo tempo, condensamos no presente enquanto eterno retorno passado e
futuro. Como pode agora compreender facilmente, o eterno retorno não é outra
coisa senão amor fati (amor ao destino) e vontade de
potência afirmativa com a qual damos um sentido à nossa existência (p. 11 e
12).
Desse modo, delineia-se também o critério
básico para uma nova moral na qual liberdade e necessidade não estariam em
conflito. Pois, por vir de um passado eterno, cada um de nossos atos estaria
submetido à necessidade, mas, por sua vez, seria livre enquanto decisivo para
uma cadeia infinita de repetições futuras. Seria preciso, então, viver cada
momento de modo que se quisesse segui-lo vivendo infinitas vezes. A implicação
mais importante da doutrina do eterno retorno, pois é essa nova compreensão que
representa o vínculo necessário entre o indivíduo e a totalidade da vida, ou
seja, entre tempo subjetivo e tempo objetivo (p. 15).
Ao se afirmar o eterno retorno do mesmo e se
dizer sim à vida enquanto presente eterno, desfaz-se num só golpe a divisão
entre mundo aparente e verdadeiro, e, portanto, a distinção entre ser e
dever-ser, pois se destrói toda a possibilidade de imaginar uma teleologia
enquanto sentido de um plano metafísico que se desdobra através do tempo. E
tudo isso torna extrema a desvalorização dos valores do indivíduo moral e lhe
anula a esperança de salvação num além transcendente (p. 14).
Por isso, uma vez perdida a fé no Deus
cristão, esse homem se afunda na dispersão de uma vida fragmentada em dimensões
e momentos atomizados, desconexos e sem sentido, na medida em que passado,
presente e futuro já não estruturam nenhum processo, já não estão encadeados
por nenhum sentido unitário, tal como o da história da salvação, nem por
nenhuma finalidade. (...) A todos esse niilistas passivos, que caíram na
grande depressão por conta da morte de Deus ao constatar o absurdo extremo e
sem sentido da existência, o que pensamento do eterno retorno lhes causa é o
efeito de aumentar ainda mais a sua depressão e confusão. De modo que se para
alguns o eterno retorno e sua afirmação podem fazer com que adquiram um novo
cetro de gravidade para apossar-se de um projeto de vida mais alegre, para
outros, o eterno retorno representa o contrário, a saber, o levar ao extremo
sua conflitividade interna na medida em que o niilismo é conduzido à sua consumação
(p.13).
Fragmentos
do texto "Nietszche ou a eternidade do tempo" de Diego Sánches Meca,
professor da Univ. de Madrid (UNED), disponibilizado para os participantes da
palestra ministrada na UNIFESP dia 17.09.2010. Tradução por Vinicius de Andrade.
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