sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Nietszche ou a eternidade do tempo II

 Pois bem, se essa maneira de viver o tempo representa um verdadeiro apossar-se da nossa temporalidade no contexto do pós-niilismo, o que ocorre não é senão a substituição da metafísica cristã do tempo linear por uma experiência pagã do tempo como eterno retorno, na medida em que o essencial dessa nova forma de viver a temporalidade seria o retorno repetido da decisão de reunir as dererminações temporais de passado, presente e futuro numa forma ou significado unificador com cuja evolução se desdobra a incessante conquista do uno mesmo. Viver o tempo como eterno retorno significa que as três dimensões do tempo se dão simultaneamente em casa instante da temporalidade vivida, o que torna o instante igual à eternidade. A cada instante reelaborar o presente e o passado e construir o futuro quer dizer que, ao mesmo tempo, condensamos no presente enquanto eterno retorno passado e futuro. Como pode agora compreender facilmente, o eterno retorno não é outra coisa senão amor fati (amor ao destino) e vontade de potência afirmativa com a qual damos um sentido à nossa existência (p. 11 e 12).
Desse modo, delineia-se também o critério básico para uma nova moral na qual liberdade e necessidade não estariam em conflito. Pois, por vir de um passado eterno, cada um de nossos atos estaria submetido à necessidade, mas, por sua vez, seria livre enquanto decisivo para uma cadeia infinita de repetições futuras. Seria preciso, então, viver cada momento de modo que se quisesse segui-lo vivendo infinitas vezes. A implicação mais importante da doutrina do eterno retorno, pois é essa nova compreensão que representa o vínculo necessário entre o indivíduo e a totalidade da vida, ou seja, entre tempo subjetivo e tempo objetivo (p. 15).
Ao se afirmar o eterno retorno do mesmo e se dizer sim à vida enquanto presente eterno, desfaz-se num só golpe a divisão entre mundo aparente e verdadeiro, e, portanto, a distinção entre ser e dever-ser, pois se destrói toda a possibilidade de imaginar uma teleologia enquanto sentido de um plano metafísico que se desdobra através do tempo. E tudo isso torna extrema a desvalorização dos valores do indivíduo moral e lhe anula a esperança de salvação num além transcendente (p. 14).
Por isso, uma vez perdida a fé no Deus cristão, esse homem se afunda na dispersão de uma vida fragmentada em dimensões e momentos atomizados, desconexos e sem sentido, na medida em que passado, presente e futuro já não estruturam nenhum processo, já não estão encadeados por nenhum sentido unitário, tal como o da história da salvação, nem por nenhuma finalidade. (...) A todos esse niilistas passivos, que caíram na grande depressão por conta da morte de Deus ao constatar o absurdo extremo e sem sentido da existência, o que pensamento do eterno retorno lhes causa é o efeito de aumentar ainda mais a sua depressão e confusão. De modo que se para alguns o eterno retorno e sua afirmação podem fazer com que adquiram um novo cetro de gravidade para apossar-se de um projeto de vida mais alegre, para outros, o eterno retorno representa o contrário, a saber, o levar ao extremo sua conflitividade interna na medida em que o niilismo é conduzido à sua consumação (p.13).


Fragmentos do texto "Nietszche ou a eternidade do tempo" de Diego Sánches Meca, professor da Univ. de Madrid (UNED), disponibilizado para os participantes da palestra ministrada na UNIFESP dia 17.09.2010. Tradução por Vinicius de Andrade.


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